Não é fácil
compreender como é que há uma lei com dois pesos e duas medidas. Considero-me,
de todo, um defensor da coisa pública. Sei que foi essa dita coisa pública que
democratizou o ensino e fez com que o acesso a milhares de pessoas, tal como
eu, pudessem tirar um curso superior. Compreendo que isso seja uma dor de
cabeça para os seguidistas do fascismo e herdeiros dos senhores lavradores, mas
deixou de chegar a doutor quem era filho do senhor fulaninho e passou a ser uma
oportunidade para todos. Isto é igualdade. Isto é democracia. Mas…
entristece-me ver que em vez da defesa de direitos iguais, há uns que querem
continuar a ser mais iguais do que outros. E ainda mais grave é ver que antes,
esses mesmos, não passavam de uns pés descalços.
O
funcionalismo público deve trabalhar 35 horas, até porque era um direito
adquirido, mas o setor privado também deve trabalhar as mesmas horas. Não me
venham com demagogias dizer que ‘eles têm inveja’ ou que ‘lutem pelos mesmos
direitos’. Se os governantes do estado fossem verdadeiros democratas, saberiam
que o exercício de funções deveria ser igual e contemplado em código do
trabalho. É verdade que muitos, bem à portuguesa, em vez de dizerem ‘também
quero os mesmos direitos’, pelo contrário, preferem dizer ‘deviam ficar sem
essas regalias’, mas não no meu caso. Isso para mim não é válido, ok? E muito
menos, por todas as razões, me consideraria com inveja.
Mas pensemos
em conjunto numa família, por exemplo, de quatro pessoas em que os pais são
operários têxteis e ganham o salário mínimo e os filhos são estudantes. E há
uma só pessoa, funcionária pública, que recebe mais do que aquele casal. Na
família de quatro pessoas, a mãe e os dois filhos precisam de óculos. O
funcionário público também precisa de óculos. Quem deveria ter apoio para a
aquisição dos óculos. A família de 4 ou aquele que vive sozinho? A resposta
parece óbvia, mas quem tem direito aos óculos quase de graça é o funcionário público
porque tem um sistema de saúde melhor.
Eu conheço
bem estas situações e só posso dizer que os meus pais são uns heróis. É claro
que poderia juntar-me ao ambiente mais confortável e fazer de conta que isso
nem é comigo, mas se hoje tenho duas licenciaturas, uma pós-graduação e um
mestrado, tenho que agradecer aos dois operários têxteis que me pagaram os
óculos desde a terceira classe.
E nós que até
temos cursos superiores devemos deixar que os outros lutem ou antes
juntarmo-nos às suas lutas? A maior parte da população está nesta situação. A
maior parte das pessoas não sabe como lutar. Se nos foi dada a possibilidade de
entrar numa Universidade, muitas vezes com tanto esforço e a privarem-se de
tanta coisa, sejamos nós mais humanos e façamos só uma décima parte do que eles
um dia fizeram por nós.
Pedro Miguel Sousa, in Jornal Povo de Fafe