sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O Cão que me fez parar

No primeiro dia do ano, a tarde merecera alguns momentos de passeio quando uma ideia repentina me avivara a memória dos presépios que tanto queria ver naquela aldeia da Póvoa de Lanhoso, logo a seguir a Serafão. Num percurso cauteloso, a atmosfera era contagiante de uma terra enobrecida por mais uma daquelas ideias que faz parar o trânsito ou, pelo menos, desperta a curiosidade dos viajantes mais apressados que, certamente, mais tarde não hesitarão em parar.

Após uma rápida visita à quase totalidade dos presépios, reconhecendo em cada um os talentos mais detalhados, retomei o percurso inverso em direcção a casa. A mesma atenção à estrada, a mesma alegria na companhia, até que um alerta me fez olhar de imediato para as grades de uma casa em que um pobre ‘cãozinho’ estava encurralado. Numa aproximação cautelosa, não fosse o pobre animal assustar-se ainda que a nossa intenção fosse a melhor, umas palavras delicodoces e um gesto suave foram o suficiente para alargar as correntes e dar espaço ao pequeno animal que logo levantou as patas como que estivesse a agradecer. A tentativa de chamar os donos fora em vão, mas o auxílio de uma vizinha serviu de protecção para que dois estranhos pudessem desamarrar o bicho e o levar novamente para o seu ninho, onde mais uma vez, numa apressada movimentação, nos socorremos de umas garrafas de água para encher os recipientes abandonados.
Este acontecimento, que não pretende mostrar qualquer valentia ou pedir aplausos, pois não fizemos nada mais do que a nossa obrigação enquanto seres humanos, fez-me pensar em primeiro nos animais que são adoptados como meros objectos e, depois, marcou-me a forma como o pobre animal reagiu apenas com mais um pouco de liberdade. Às vezes a vida dos homens também é assim. Há momentos em que basta dar um pouco de liberdade para que a alegria volte a dominar as vidas individuais. Esta liberdade pode ser na simples indicação para encontrar um caminho que leve ao destino pretendido, um emprego para suportar as atrocidades do dia a dia ou somente uma palavra de conforto num daqueles momentos em que parece que o mundo vai acabar.
Neste início do ano, achei por bem escolher este texto para dedicar aos meus leitores. Obviamente que me interessa chamar a atenção para a defesa e protecção dos animais, mas também me importa reflectir sobre a condição humana. Espero que não seja lido como lamechas, mas que seja (re)lido antes como uma aposta real numa sociedade que vai passar por momentos difíceis e, muitas vezes, não precisa mais do que um simples gesto de atenção para que todos possamos seguir em frente e conhecer melhor o horizonte.
Feliz 2012
Pedro Miguel Sousa, in Jornal Povo de Fafe (06-01-2012)