sábado, 2 de outubro de 2010

República da Praça


Este ano o 5 de Outubro tem um sabor especial, afinal não é todos os dias que se celebram 100 anos e, neste caso, é um século de muitas conturbações políticas e sociais que merecem ser relembradas e conhecidas para compreender o que realmente está na origem de uma sociedade que tem os seus ideais na liberdade.
O início da República não foi o mais desejado pela maioria das pessoas. O que os republicanos haviam tomado como bandeira, ou seja, o sufrágio universal, não passou de um embuste, porque na realidade só pôde votar quem sabia ler e escrever e mulheres estavam excluídas. Depois foi alargado para quem fosse chefe de família e houve uma senhora que ainda votou uma vez, invocando que se encontrava viúva e era a chefe de família, mas logo foi determinado em comunicado que mulheres não votavam em circunstância alguma.
A verdadeira igualdade, perante o voto, só se verifica com o 25 de Abril que traz consigo uma sociedade muito mais esclarecida e tem as suas principais movimentações desde o ano 1969 com as manifestações estudantis.
Neste momento, tendo sido Coimbra uma das cidades que mais contribuiu para a Revolução da Liberdade, não poderia deixar de homenagear de um modo geral as casas que também contribuíram para os debates de ideias que se opunham ao regime, as denominadas Repúblicas. Embora se tenha constituído alguns anos depois, saliento a República da Praça, situada na Praça da República em Coimbra, e que foi uma das minhas casas enquanto a ‘Capa e Batina’ me acompanhavam pelas ruas da cidade dos estudantes.
No momento de comemoração dos 100 anos da República Portuguesa, posso afirmar que já festejei vários centenários da República da Praça, porque viver um ano numa República de Coimbra é como viver 100 anos de vida normal! Assim, por volta da tomada da bastilha (tomada da associação pelos estudantes), todos os anos, agora no estatuto de antigos ou velhinhos, volvemos à casa da praça, cada um de seu canto, para celebrar mais ‘100 anos’, momento singular no festejo, pois muitos só se reencontram neste dia do ano.
A República da Praça é a res (coisa) pública. É um elemento de todos, um local de passagem para muitos estudantes e amigos, que vêm de todos os cantos do país, mas também de outros pontos do mundo, tendo sido intensificado estes últimos anos com a adesão dos estudantes ao abrigo do programa Erasmus. Em conjunto, são discutidas ideias e conceitos, misturados os saberes e conhecimentos individuais e colectivos, de forma a ganhar uma cultura muito mais diversificada.
Na minha óptica, este é o verdadeiro espírito que deve vigorar não só numa República de Coimbra, mas numa sociedade que defenda os ideais da República e os ideais da liberdade. Apesar de olhar para um 25 de Abril que tem mais ‘Abril para uns do que para outros’, considero que a República trouxe mais igualdade, a Revolução dos cravos acrescentou a essa mesma liberdade, mas ainda estamos longe de ter um estado igual em direitos e deveres. Por isso, ousamos dizer que o 25 de Abril de 1974 não foi o dia da liberdade, mas sim o ‘Dia da puberdade’, porque ainda falta muito a este país, que aproveita esse dia para fazer festas de inaugurações, conseguir a maturidade nas leis, no poder e na expressão.
Um Repúblico convicto!

Pedro Miguel Sousa
in jornal Povo de Fafe (01-10-2010)