sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Regresso ao passado

Dois anos volvidos e as obras teimam em não chegar às aldeias. Algumas estradas tornaram-se insuportáveis e outras, feitas à revelia, numa pressa eleitoral para destronar as vozes incómodas até já deixam que a pequena força dos cogumelos levante o alcatrão. As mais emblemáticas são uma miragem cada vez mais ausente e as ‘ilegais’ a única realidade presente.


As águas do rio continuam a passar debaixo da ponte e ainda não ultrapassaram o limite dos tubos tão criticados. Os jovens quase só jogam à bola porque lhes roubaram o espaço criativo e não há mais lugar para outras artes. Os velhos, ai os velhos, continuam à espera nos varandins no Verão ou à lareira no Inverno por uma comida tantas vezes mal confeccionada. Os mais ágeis ainda se deslocam aos cafés da aldeia. Entretêm-se horas a fio com um baralho de cartas, dando uns murros na mesa para dar o sinal ou para não acertar no adversário que ‘não percebe nada’.
Todos se pintaram com as mesmas cores numa festa carnavalesca. As amizades de longa data ofereciam acreditar num futuro próspero. As vozes da discórdia, tidas como perturbadoras do sono dos seus deuses, causadoras da falta de obras na boca da ignorância, calaram-se. Calaram-se mesmo!
Agora, as vozes voltam a sair à rua. Não as vozes da visão, porque essas calaram-se mesmo, mas as vozes dos enganados, rejeitados, maltratados, humilhados. São estes que falam a medo com sua voz perturbada. São os que se envergonham de se pintarem de uma outra cor, uns dizem claramente que acreditaram na boa vontade, outros na amizade facilitadora, outros ainda reconhecem a sua ingenuidade.
Dois anos volvidos e as obras teimam em não chegar às aldeias. Algumas estradas tornaram-se insuportáveis e outras, feitas à revelia, numa pressa eleitoral para destronar as vozes incómodas até já deixam que a pequena força dos cogumelos levante o alcatrão. As mais emblemáticas são uma miragem cada vez mais ausente e as ‘ilegais’ a única realidade presente.
Pedro Miguel Sousa
in Jornal Povo de Fafe (11-11-2011)