sábado, 12 de fevereiro de 2011

«que mundo tão parvo, onde para ser escravo é preciso estudar…», “Parva que sou”, Os Deolinda


A performatividade das palavras, unidas melodicamente, marcam os tempos, as épocas, as gerações e demais momentos que de uma ou de outra forma imprimem cada instante, num tempo e num lugar muito bem definido. Certos que não se conhecem nascimentos exactos das mais distintas correntes, mas mais convictos somos que essas manifestações existem e quando surgem jamais voltam atrás.
Assim aconteceu com a pintura, a escultura, a música, o teatro e todas as revoluções que derrubaram regimes autoritários dando lugar a democracias mais ou menos justas. Hoje, em pleno século XXI, onde imperam as novas tecnologias, foram as redes sociais os motores que despontaram as manifestações no Egipto, mas também são as novas tecnologias que em Portugal nos apresentaram o novo tema dos ‘Deolinda’ - «Parva que sou».
Parva que sou… eu, tu, ele, nós, vós e eles.
Parvos, mas mesmo muito parvos! Tão parvos por nos deixarmos iludir por aqueles que mais não querem do que o nosso apoio. Muitos deles, descendentes directos de uma época de ditadura, que se dizem defensores da democracia, mas o que realmente os caracteriza é a fome e a ânsia do poder. Alguns deles, muitos, filhos directos do puro salazarismo em que tudo ‘era mais bonito antigamente’, principalmente para os que dizem isto, pois não passavam fome nem tinham de ir descalços para a escola como a maioria dos demais.
Agora, neste preciso momento, a história está a mudar. Os ‘filhos de papai’ não estudaram e os herdeiros do proletariado estão formados pelas melhores universidades do país. Hoje, os descendentes do capitalismo agrícola são obrigados a cultivar as terras se não as querem ver abandonadas, porque seus pais não queriam que sujassem as mãos e não os ensinaram a cuidar das quintas, o que implicava acompanhar os tempos e modernizar quer na robotização quer na computadorização. Mas, também hoje, a geração nascida nos anos 50 está mais ou menos equilibrada, ainda que viva com rendimentos muito baixos, a de 60 enrascada e a de 70 muito à rasca.
Que parvo que sou! Ou talvez, que parvo que fui, quando acreditava que todos queriam o bem de todos, que todos ‘tiravam a camisa’ pelas instituições e defendiam o bem comum. Realmente, que parvoíce!
Foi mesmo preciso estudar para ser escravo e pegar na mochila e fazer 1000 Km todas as semanas para ter um emprego precário dos famosos recibos verdes. Foi preciso estudar para parvo… Mas também foi preciso estudar para perceber que ninguém é superior e que não foi preciso ter terras para ser doutor. Hoje, ainda que parvo, reconheço que esta geração tem muito a fazer para que os jovens que vão crescer não sejam parvos como nós, apenas porque vão perceber o que nos fizeram e verificar que não adianta mais armar-se em parvo, porque outros, ainda mais parvos, nos tramaram este futuro.
Pedro Miguel Sousa, in Jornal Povo de Fafe (11-02-2011)