sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A máscara

Os Estudos Teatrais têm ocupado uma parte considerável do meu percurso académico. Ainda que muitos afirmem que ‘um doutor é um burro carregado de livros’, prefiro pensar que os livros são um belo fardo de palha, que muito me apraz saborear. No entanto, não poderia deixar passar mais um Carnaval sem mostrar que realmente conheço também as artimanhas de ‘ser um rei em terra de cegos’, mas prefiro continuar sem máscara.
Valério, personagem da obra O Avarento de Molière, apontava o caminho a seguir para ser bem visto pelo seu Senhor: «…sob que máscara de simpatia me disfarço para lhe agradar e que personagem represento todos os dias para conseguir o seu afecto. (…) vou-me dando conta de que para ganhar os homens, não há melhor caminho do que o de, diante deles, fazer reverência às suas inclinações, adoptar as suas máximas, esconder os seus defeitos e aplaudir o que fazem. (…) A sinceridade sofre um pouco com este meu trabalho, mas quando precisamos dos homens, temos de nos ajustar a eles e como não conseguimos conquistá-los senão assim, a culpa não é dos que lisonjeiam mas dos que querem ser lisonjeados.».
Toda a fala, deste modo, põe em claro, ao leitor/espectador que se trata de uma ‘máscara’ e faz transparecer toda a hipocrisia existente na sociedade, ou seja, como se deve fazer para iludir os homens e levá-los a fazer o que se pretende. Afinal de contas, nem é assim tão difícil: quem se quer dar bem basta dizer ‘sim, senhor’, quando o senhor diz ‘sim’ ou ‘não, senhor’, quando este diz ‘não’. Mas serão os que praticam estes actos que melhor servem as comunidades? Serão melhores políticos do que aqueles que enfrentam a realidade e lutam pelo bem comum?
Na verdade, esta sociedade é mesmo um palco gigante, onde actuam actores de primeira e de segunda, mas os melhores não são os que imitam os outros, antes os que conseguem representar, o que por si só obriga ao acto de criação. Obriga à construção de uma nova personagem em cada momento sem se tornar um eterno mascarado.
Viva o Carnaval, sem máscara!
Pedro Miguel Sousa
In Jornal Povo de Fafe (12/02/2010)