Lembro-me vezes sem conta dos meus avós. Era uma azáfama na véspera de
Natal. Lá nos juntávamos os primos todos, com os nossos pais, os nossos tios e
havia prendas por todo o lado. Podiam ser as mais humildes, mas era a surpresa
no desembrulhar que fazia alegrar aquela noite. Não acabam aqui as memórias do
meu Natal. São as rabanadas da tia Mena. As iguarias da avó que tão bem soube
ensinar às filhas que lhes seguem o gosto nos preparos.
O Natal sem batatas cozidas com bacalhau não é Natal. Para mim, obviamente.
Depois, até porque a sorte nos bafeja, apesar de vidas sempre ladeadas em
percursos bem humildes, há todos os apetrechos necessários para degustações
alongadas…
Lá no Loureiro, é o tio Avelino que obriga à tradição. Bacalhau frito à
merenda. Eis que as tradições são para manter e só com esta insistência é que
se consegue. Jogar às cartas. Dominó. Uno. Damas. Os filmes do sozinho em casa.
E, mil e uma vezes, entre jogadas mais ou menos atentas, lá aparece alguém que
repara momentaneamente que os copos estão vazios e lá fora está um frio que não
se aguenta, como se isso fosse razão quando as lareiras ardem como em nenhuma
outra altura do ano.
Tenho saudades. Ora era em Quintela, na casa dos meus avós maternos, ora no
Loureiro, nos meus avós paternos. Mas eles já não estão mais. Tenho saudades.
Gostava de ter conhecido melhor o meu avô paterno. Era criança quando partiu.
Só me lembro que era muito paciente. Também sei que era sábio. O meu pai
conta-me muitas conversas que tiveram e ensinou-me muitas expressões que ele
lhe dizia para o preparar para as mais difíceis adversidades da vida. Também
foi com elas que eu cresci. Também me foram transmitidas e será assim que farei
quando chegar a minha vez de o fazer.
Vou dedicar este Natal à minha lembrança de menino. E vou ser feliz, porque
volto a ir ao Loureiro e passo obrigatoriamente por Quintela. Com meus
familiares vou celebrar estas lembranças, porque apesar de tantas dificuldades
de meus avós, ainda que não tivessem deixado bens extraordinários de herança, fomentaram
o que de mais belo um indivíduo pode ter: o humanismo, o caráter.
E eu tenho saudades…